Papo com pesquisadores 002 - Da academia à indústria
- Integração Academia-Indústria

- 12 de abr. de 2021
- 5 min de leitura
Áreas de atuação: Químicos em Biotecnologia

Sabemos que a área de atuação de Químicos é bem ampla e diversificada. No entanto, nos deparamos com a atuação dos profissionais da área sempre nos mesmos segmentos: indústria farmacêutica, petroquímica, polímeros, cosméticos e ambiental. Queremos agora mostrar a possibilidade de atuação em segmentos menos comuns para nós, e mostrar que é possível nos desenvolvermos em setores como controle de qualidade, análise de dados e biotecnologia!
Na segunda edição do “Papo com Pesquisadores: Da Academia à Indústria”, conversamos com a Jéssica Toigo, mestra em Química e atual assistente de laboratório na BiomeHub Biotechnologies em Florianópolis. Na sua formação, obteve experiência com os temas: fotofísica, química medicinal, complexos luminescentes e OLEDs.
Formada em Química (bacharelado e tecnológico) na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Na mesma instituição recebeu o título de Mestra em Química, cujo tema de pesquisa foi o estudo de materiais luminescentes para aplicação como camada emissora em Dispositivos Emissores de Luz (OLEDs), que podem ser utilizados em telas de celular, TVs e computadores. Destaca-se a utilização de materiais mais baratos, para redução dos custos de produção dos dispositivos, bem como a investigação das relações estruturais e propriedades luminescentes dos compostos.
Conversamos com a Jéssica sobre sua inserção em uma empresa de biotecnologia no período da pandemia, como foi sua adaptação e aprendizado. Confira abaixo!
Integração Academia-Indústria: Qual é a área de atuação no seu emprego atual?
Jéssica: Biotecnologia e análises clínicas. Ela se enquadra dentro da biotecnologia por estar manipulando e modificando material genético (PCR).
Integração Academia-Indústria: Nessa área de atuação, há espaço para Químicos? As atividades desenvolvidas são compatíveis com nossa profissão? Podemos aproveitar alguns conhecimentos?
Jéssica: No geral, o trabalho de químico da empresa se limita ao aprimoramento de algumas soluções e reagentes utilizados. Contudo, boa parte do meu trabalho está voltado para analista/assistente de laboratório, com atribuições que se baseiam no processamento de amostras biológicas (extração de material genético) e produção dos reagentes necessários para os procedimentos. É possível aproveitar a experiência da operação como um todo, especialmente na coordenação das funções a serem executadas, das habilidades analíticas e nas boas práticas de laboratório.
Integração Academia-Indústria: Você utiliza conhecimentos da sua pesquisa de pós-graduação no seu trabalho atual?
Jéssica: Os conhecimentos da pós-graduação me auxiliaram a entender os fenômenos espectroscópicos que estavam ocorrendo, bem como os conhecimentos em bioquímica já adquiridos em experiências anteriores. Assim, foi possível fazer uma troca de conhecimentos muito interessante entre a parte biológica e a parte química/estrutural das coisas.
Integração Academia-Indústria: Ao iniciar um cargo na área de Biotecnologia, você se sentiu insegura de não conseguir realizar as atividades? Se sim, como superou essa insegurança?
Jéssica: No início sim, principalmente porque qualquer erro no que você está fazendo pode ser crítico e levar a uma contaminação do meio. Não tinha muita noção de biossegurança e boas práticas de laboratório apesar da experiência de graduação e pós-graduação. Como tudo na vida, pude adquirir confiança à medida que fui ganhando experiência no meio e nas atividades.
Integração Academia-Indústria: Antes de conquistar a vaga atual, você já tinha experiência anterior em uma empresa/indústria?
Jéssica: Não, apenas experiência dentro da academia.
Integração Academia-Indústria: Você já possuía experiência anterior com análises microbiológicas? Se sim, apenas conhecimento teórico ou prático?
Jéssica: Durante a graduação eu trabalhei em um laboratório de química medicinal, o que me possibilitou acompanhar alguns testes biológicos que eram realizados em parceria. Isso me trouxe uma bagagem mais teórica do que prática, mas me permitiu ter uma boa noção de biologia molecular.
Integração Academia-Indústria: Quais habilidades/conhecimentos acadêmicos você acha que são fundamentais para atingir um bom desempenho na empresa em que você trabalha? (hard ou soft skills)
Jéssica: Acredito que a empresa valoriza muito quem busca conhecer e entender o que está acontecendo pra poder sempre pensar um passo à frente do processo e poder antecipar as ações. Sair do trabalho mecânico e rotineiro pode ser desafiador quando estamos dentro de uma operação, mas é uma forma de se destacar e mostrar que você está aí pra fazer as coisas acontecerem e não apenas para ver acontecer. Como hard skills, acredito que se você tem experiência em microbiologia, independente da formação, faz você ter um destaque na empresa.
Integração Academia-Indústria: Quais habilidades (hard ou soft skills) importantes para a sua área você ainda precisa aprimorar/desenvolver?
Jéssica: Acredito que a comunicação assertiva na realização de feedbacks seja um ponto a ser aprimorado.
Integração Academia-Indústria: Como foi o processo de adaptação pessoal para a atuação em meio corporativo? É preciso adotar novos mindsets?
Jéssica: Duas mudanças de mentalidade são essenciais quando se transita da academia para o meio corporativo:
1 - Diferente da academia, na empresa você trabalha em equipe e, para tal, deve saber trabalhar com pessoas de diferentes personalidades. Querer fazer tudo sozinho, ou esperar que o outro faça o seu trabalho não são as maneiras corretas de trabalhar. Não deve existir competição, todos temos o mesmo objetivo, logo, não faz sentido alimentar esse sentimento de "passar por cima do outro".
2 - A academia nos leva a desenvolver o senso do "não fui eu", muito incentivado por professores e colegas que tem costume de apontar e muitas vezes humilhar alguém quando acontece algo errado. Na empresa não funciona assim. Ela não está interessada em saber quem foi pra poder dar um sermão sobre o que aconteceu. Ela quer saber o que levou ao erro, e de que forma ele pode ser evitado. Por isso, é importante assumir e informar os supervisores de qualquer coisa que possa dar errado.
Integração Academia-Indústria: Na busca por oportunidades, você teve dificuldade em prosseguir nos processos seletivos? Passou por momentos desanimadores?
Jéssica: Sim. Quando terminei o mestrado, acreditava muito na minha capacidade e nos meus valores como profissional. Foi uma frustração enorme ver o quanto as empresas do ramo de química desvalorizam a pós-graduação. Durante meu processo de recolocação no mercado de trabalho, recebi respostas como "ah, seu perfil é muito acadêmico, no chão de fábrica o bicho pega" e "infelizmente você tem muita formação para a vaga", quando ainda recebia alguma resposta. Mudei o formato de currículo diversas vezes, fiz cursos de como poderia me destacar no LinkedIn e utilizei de um hobby da quarentena (meu instagram de divulgação científica) como uma ferramenta para usar minha voz e atrair recrutadores.
Por fim, tive que sair da área de química, retirar o mestrado do currículo e me desafiar em busca de uma primeira oportunidade, pois sabia que poderia utilizá-la como trampolim para o futuro. Iniciei como auxiliar de laboratório e em menos de um ano cresci dentro da empresa, desempenhando funções de analista e auxiliando na coordenação da operação COVID.
Integração Academia-Indústria: Quais características pessoais você acredita que foram um diferencial na contratação?
Jéssica: Minha vontade de fazer acontecer e minha capacidade de resolução de problemas.
Integração Academia-Indústria: Possui algum comentário ou dica para profissionais que estão buscando oportunidades?
Jéssica: Na minha trajetória, percebi que as vagas que eu obtive maior retorno eram as que eu podia moldar o meu currículo para a mesma. Você deve estudar a vaga e a empresa que vai se candidatar e buscar palavras-chave dentro das descrições, inserindo elas no seu currículo e nas experiências que você tiver. Quando colocar suas experiências acadêmicas, não explique sua pesquisa, mas sim, mostre como as atividades que você desempenhou podem auxiliar no desempenho das atividades da vaga pretendida (ex. coordenação de alunos de iniciação científica). No mais, não desista e esteja aberto a não conseguir a vaga dos sonhos logo de primeira.
Fica claro como é difícil a inserção de pós-graduados no mercado, ainda mais em uma área pouco comum à nossa formação. Mais uma vez, vemos os estigmas presentes confirmando a mentalidade de algumas empresas de que “perfil muito acadêmico não é adequado para a indústria”. Não é fácil entrar em uma área pouco explorada por nós na graduação, mas com certeza não é impossível e o aprendizado é sempre muito válido. Foram levantados pontos pertinentes que certamente ajudarão muitos mestres e doutores no processo de transição!
Agradecemos de coração a participação da Jéssica e as informações muito valiosas que nos foram cedidas. Desejamos muito sucesso na sua caminhada profissional dentro do meio corporativo, temos certeza de que sua carreira será brilhante e que serás muito bem-sucedida!
“The art of life lies in a constant readjustment to our surroundings.”
Kakuzo Okakura, The Book of Tea





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